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Cringe, Rótulos e O ano em que autonomia financeira virou sinônimo de vergonha alheia



Eu acho cringe separar as pessoas em tribos, sejam geracionais, raciais, sexuais, religiosas, políticas, afetivas ou econômicas. Os rótulos têm o seu lado positivo quando escolhidos e orgulhosamente levantados pelos seus próprios donos, mas quando são impostos a alguém pelos demais, revelam-se um verdadeiro e temerário desperdício.


Qual o sentido de dividir e encaixotar as pessoas em incontáveis categorias, em um mundo cada vez mais plural, diverso e colorido? Além de injusto, é pouco inteligente. O problema das tribos é que o gay branco de direita, que escolhe simplesmente levar a sua vida, sem se intitular militante da causa homoafetiva não é abraçado pela tribo LGBTQI+; o negro de periferia, se for de direita, também não é abraçado pelo movimento negro; a mulher que não se autodeclara feminista, não é abraçada por essas. É como se não fosse mulher o bastante, negro o bastante ou homossexual o bastante.


O discurso da tolerância e do respeito não pode ser uma via de mão única, ou mesmo seletivo, como infelizmente temos visto. As etiquetas são tantas, mas ainda assim, não conseguem abarcar integralmente a essência de quem transcende os critérios das tribos e vê-se de fora de todas elas por não preencher todos os requisitos sociais impostos. Admito que são esses os indivíduos que mais me fascinam.


Mas, como ignorar e silenciar diante do mais novo embate nacional: Millennials x Geração Z? Então vamos brincar com as etiquetas...


Sou Millennial, nascida em 1992. Tomo café da manhã todos os dias religiosamente, amo Harry Potter e Friends, gosto de ter livros físicos, já usei sapatilhas redondas e pago os meus boletos com muito orgulho. Confesso que, secretamente, venho nutrindo há anos um certo estranhamento relacionado aos adolescentes tardios, jovens que chegam próximo aos 25 anos sem estar sequer na iminência de se independerem financeiramente dos pais.


Sorte, mérito, benção divina, criação, personalidade, de tudo um pouco, que seja. Não vim arrotar uma grande superação e transposição de obstáculos relevantes na vida, pois tenho completa noção do quão privilegiada a minha sempre foi. O fato é que esta millennial foi moldada para a eficiência e praticidade:


Do colégio para a faculdade, da faculdade para o trabalho e, após 11 meses de trabalho, a conquista de um cargo melhor, sem nenhuma sombra de QI (algum GenZ sabe o que é QI?). Não esqueçamos do pacote adicional de casamento e maternidade. Tudo isso antes dos 25. Se as minhas conquistas e os degraus que rapidamente galguei não impressionam e soam totalmente cringe, tudo bem. Só nós mesmos podemos mensurar o nível de esforço, a dor e o mérito de chegar aonde chegamos.


Mas vamos falar de superação de verdade:


Durante quase uma década acompanhei parte da bela trajetória de uma amiga de faculdade, muito cringe, que saiu do interior da Bahia, meteu as caras nos livros, e após muito remar contra a maré, foi aprovada para cursar Direito na Universidade Federal da Bahia, onde fomos colegas.


Lá, ainda na primeira metade do curso, a vi brilhar em estágios em órgãos públicos, ser aprovada no seu primeiro concurso público estadual, trabalhar e estudar ao mesmo tempo, em um curso com um nível de exigência altíssimo, mantendo um desempenho invejável. Poucos anos depois de nos formarmos, ela foi aprovada para um cargo Federal com uma remuneração excelente.


Sempre tivemos visões políticas e religiosas divergentes, os nossos sonhos para nossas vidas pessoais não poderiam ser mais distintos. Mas sempre nos afinamos nesse ponto: a busca prática e determinada pela nossa autonomia. Sabíamos que essa conquista seria determinante para o sucesso de qualquer projeto pessoal. Sempre quisemos pagar os nossos boletos e, para mim, cringe é não poder pagá-los.


Sei da história de adolescentes tardios da geração Millennials (Y), mas também da X e Baby Boomers (é mais comum do que imaginam), e vejo diversos da Z em vias de se tornarem. Por outro lado, conheço de perto inúmeros X, Y e Zs que desde muito cedo batalharam e conquistaram a sua autonomia.


Vejo, portanto, um quebra-cabeça de incontáveis peças e infinitas possibilidades, avesso à mediocridade dos rótulos críticos. Vejo pessoas realizadas e outras frustradas, em todas as gerações. Vejo nativos digitais deprimidos e dependendo integralmente dos pais, pousando de plenos nas redes sociais. Vejo mulheres e homens feitos, com mais de 30, na mesma situação. Vejo adolescentes abrindo startups de sucesso, crianças ensinando sobre o universo digital e facilitando a vida dos seus avós. Vejo jovens que tomam as rédeas da própria vida aos 20 e poucos. Vejo gente que demora um pouco mais para encontrar o seu caminho, mas quando encontra, deslancha. Vejo gente que não se banca e sabe tão pouco da vida chamando de cringe gente mais velha dona do próprio nariz.


A geração Z está chegando aos 25 anos e fica a questão: como será o mundo construído por esses adultos? Farão jus aos rótulos de que são impacientes, imediatistas, inaptos em lidar com a frustração ou deixarão de ser cringe e entenderão que o século XXI é a era do aprendizado dialógico intergeracional e que o criticismo depreciativo está totalmente fora de moda?



Raissa Lopes Domingos

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