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Sequestro Relâmpago



É curioso quando alguém se engana sobre si mesmo e por isso finge se enganar sobre você também.


Cria narrativas fantasiosas para tentar esconder de si mesmo verdades inconvenientes, dolorosas.


No fundo, essas narrativas são imprescindíveis para mantê-lo de pé diante do espelho, sem desabar.


O que fazer quando alguém te enreda numa rápida intimidade artificial que em poucos meses deságua numa bola de neve infindável de cobranças e expectativas invariavelmente frustradas, que mais parece um sequestro?


Não. Você está longe de ser inocente. Você abriu a porta, primeiro só uma frestinha, depois, deixou-se escancarar, apesar dos sinais, apesar dos incontáveis avisos de “perigo” dos seus. Você gostou daquela atenção desmedida, daquela presença constante, ainda que invasiva.


Por mais estranho e postiço que fosse, parecia bom, parecia cômodo. E você deixou. Seu ponto cego deixou…


Mas de repente, a completa inconsistência de um vínculo atropelado, estabelecido sem qualquer fundação, não gestado nem maturado, se pronuncia e sacode o status quo.


Então os seus limites, os seus “nãos “ começam a incomodar. Mais que isso, a não serem aceitos, a serem categoricamente desrespeitados.


E você, atônito, se vê arrastado para uma novela desconhecida que não lhe pertence. Uma novela que quer questionar a todo tempo as suas escolhas, baseando-se nos valores e moralidade desse autor específico, não nos seus.


Do ser autônomo que é, você passa a ser retratado como um personagem sem qualquer autoria sobre as suas próprias decisões. Sua atenção é disputada, mas você é uma frágil donzela em apuros, incapaz de se autodeterminar.


Mas o erro foi seu. Você por muito tempo foi educado demais e quis agradar excessivamente o outro, dando desculpas diversas para a não reciprocidade plena. Mas as desculpas vão se acabando…


O outro, que teve um breve recorte de um minúsculo período de sua vida e acesso a meia dúzia de informações selecionadas por você, agora acredita te conhecer mais que você mesmo e que todos os demais; julga-se apto a criar teorias risíveis sobre os seus relacionamentos e elos mais profundos.


Cria a narrativa que precisa criar, a que lhe convém, a que justifique para o espelho o fato de as coisas não terem sido como gostaria que fossem, em intensidade e domínio.


Mas em nenhuma das teorias ele detém responsabilidade por suas palavras e atos, nem você é dotado de protagonismo sobre suas próprias decisões.


A origem de todo o mal são sempre terceiros terríveis que se interpuseram no nosso florido e insólito caminho a dois, que fizeram a sua cabeça e te puxaram para longe.


Você entende que precisa deixar para lá e ter empatia a ponto de permitir ao outro agarrar-se a esse discurso triste com meandros excêntricos.


É menos doloroso para ele do que lidar com o fato de que você , exercendo seu livre arbítrio, pagou o seu próprio resgate e decidiu se afastar.



Raissa Lopes Domingos

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